jueves, 26 de febrero de 2009

Amo Bogotá (mas nenhum amor é o que parece)


Volto pra São Paulo duas vezes ao ano, encontro pessoas queridas e, entre coisinha e outra, tenho a sorte de conhecer gente nova ou reencontrar desaparecidos. Esses dois últimos tipos de encontro geram sempre o comentário/pergunta: “Você na Colômbia? E é legal é viver em Bogotá?”. Eu, apaixonada que sou pela cidade, pela experiência e pelo tudo, digo que é o máximo.

Mas quem não sabe que todo apaixonado é cego? Eu, por exemplo, não tinha isso muito claro em termos práticos* ou teóricos (nunca li um livro de auto-ajuda, só um de espiritismo sobre relações conjugais até hoje). Até que estive dois meses fora no fim de 2008/começo de 2009 – um no Brasil (em São Paulo e no Rio) e outro pirulitando em Rotterdam, onde tive a sorte de estar para o festival de cinema, e em Barcelona, onde me encontrei efusivamente com um amigo local (aproveitando o vôo pra Holanda) – e percebi que me faltava um pouco de objetividade na resposta aos curiosos sobre minha experiência bogotana.

O fato é que voltei pra cá e tive duas notícias: uma boa e uma má (como a pessoa sempre termina descobrindo sobre seus amantes). A boa é que proibiram cigarros em lugares fechados em toda a cidade. Como resultado, volto pra casa depois de me divertir em bares, restaurantes, baladas, vernissages, coquetéis, lançamentos, tapetes vermelhos (indoor) e casas de swing (até parece; e me refiro a tudo depois de baladas) tão cheirosa como cheguei, sem aquela fumaça impregnada até nas entranhas. Adoro, adoro, adoro. Sinto-me pura. Nada contra os fumantes (na minha casa, qualquer amigo fumante é bem-vindo abrindo a janela, afinal sou democrática e, além disso, carente). O problema é morrer sufocada no meio de gente que parece não se importar em desmaiar, sufocada. Well, isso está over.

A má notícia é que o trânsito piorou, e muito. Já era ruim, mas outro dia eu estava num mini-ônibus mega-apertado (que aqui chamam de “buceta”, vejam a ironia) que não andava meia régua antes de brecar bruscamente. Pra piorar, estava chovendo, e os passageiros entravam (eu inclusive) com suas sombrinhas molhadas batizando todo mundo. Enjoada com as brecadas, úmida pela chuva e atrasada para o próximo compromisso, senti que meu amor por Bogotá se ia com a água pelos bueiros. Mas como todo apaixonado além de cego é burro, eu não queria desistir. “Gente, Bogotá é o máximo. Isso não importa! Estamos na América Latina e dos Estados Unidos pra baixo, a gente se ferra mesmo. Aliás, agora os Estados Unidos também”.

Finalmente cheguei ao compromisso, molhada, com dor de cabeça e com votos renovados, e tive uma alegre conversa com a pessoa que me esperava (compreensiva que era, até porque estou pra ver um colombiano pontual na minha vida). O amigo em questão me chamou atenção para algo óbvio: mas de meia Bogotá está em reconstrução. Estão construindo, arrumando o asfalto, ampliando a linha de transporte estilo Curitiba, que aqui se chama Transmilênio, trocando tubos, buscando o Japão... Tudo ao mesmo tempo. O trânsito, óbvio, piorou e muito**. Eu não noto (ou não notava), porque faço minhas coisinhas a pé, pra evitar o calor humano quando eu não chamo por ele. Só que a coisa anda realmente insuportável sempre que quero ou preciso pegar transporte, táxi incluído.

Resumindo, meu marido Bogotá não é fácil. É todo setorizado, separa de maneira quase fascista os ricos dos pobres, é frio (porque é alto), não absorve o trânsito, não é fashion e acorda cedo demais pro meu gosto. Só que dança bem, é arrumadinho, é um injustiçado (a quem eu quero devolver a justiça e a dignidade) e, melhor que qualquer coisa, me recebeu, charmoso, animado, cheio de planos.

Eu engoli o papinho, afinal ele merece uma chance. No fim das contas, ando a pé. E nós tampouco nos casamos.

* Agora, também sei que todo apaixonado é cego em termos práticos. A vida me golpeou.
** Aqui também tem rodízio, só que chama “pico y placa”. Diferente de São Paulo, a determinação por final de placa é que não se podia usar o carro DUAS vezes por semana, em horários de pico. Com a crise do trânsito porque a cidade está mais esburacada que a superfície lunar, determinaram que nesses dois dias, os carros em questão não podem sair EM NENHUM MOMENTO, mais que nos horários de pico. A galera está em polvorosa. O rumor é que essa decisão fez as pessoas comprarem mais carros, pra ter a opção de pegar o outro no dia em que o primeiro não pode circular. De onde vem o dinheiro? Não sei. Mas que é bizarra essa reação, isso é.

Foto: Bogotá, do centro pra trás.

Sumida

Desapareci mesmo, e daí? A vida real urge.